domingo, 20 de dezembro de 2015

Lidar com as hipoglicemias

Em pessoas sem diabetes esta questão não se coloca, pois o corpo através da produção de várias hormonas consegue manter a glicémia numa faixa ideal. Uma vez que na diabetes a produção dessas hormonas está afectada/abolida, poderá não ser tão fácil o controlo das hipoglicémias, dependendo muito mais do doente (futuramente explicação sobre o porquê das hipo/hiperglicémias).

Os sintomas das hipoglicémias surgem quando a glicémia desce para valores próximos dos 60mg/dl, embora em pessoas mais susceptíveis ou com glicémias habitualmente mais elevadas os sintomas possam surgir mais perto dos 70-80mg/dl. Um outro dado é que geralmente que tem os valores mais bem controlados faz hipoglicémias mais facilmente, pois basta uma leve baixa para a glicémia passar de optima a baixa.

Um outro ponto prévio sobre a hipoglicémias: São mais perigosas que as hiperglicémias!! Muitos querem a todo custo evitar as hiperglicémias porque são as que provocam as complicação a longo prazo (embora também possam provocar quadros de cetoacidose), mas as hipoglicémias são mais susceptíveis de provocar eventos cardiovasculares e coma.

E quais são os sintomas das hipoglicémias? Todos os diabéticos sabem, por experiência própria quais são, mas para o post ficar mais completo aqui ficam: Sensação de tremores, fraqueza, fome, suores frios, nervosismo e/ou sonolência, dificuldade de raciocínio, taquicardia, confusão mental, agressividade ou desmaio.

Então, o que fazer perante uma hipoglicémia? teoricamente o que sempre ouvimos dizer é: ingerir um açucar de absorção rápida e depois um de absorção lenta. Depois de anos de experiência a viver com uma diabética, e de experiência enquanto médico a tratar doentes eu respondo: Depende!!
É muito diferente uma hipoglicémia em que a pessoa está inconsciente ou numa que está levemente indisposta. Na primeira deverá ser administrado de imediato glucagon, ou outras alternativas (ver aqui),e poderão ser necessários cuidados hospitalares. À excepção destes casos mais graves, a actuação dependerá do historial, situação e experiência.

Ao fim de alguma experiência com a doença, começa a haver a percepção de que os valores estarão perto do limiar inferior ou já o cruzaram um pouco, mantendo a pessoa a lucidez e todas as suas faculdades. Nessa fase de hipoglicémia ligeira, ingerir uma pequena quantidade de hidratos de carbono será suficiente:

  • 150ml de um sumo que não seja light;
  • 2-3 bolachas
  • 1 iogurte
  • etc, etc
Cada pessoa depois vai tendo as suas estratégias e vai tendo os seus meios predilectos de corrigir as hipoglicémias. Há doentes que preferem antes um pequeno gelado, um fruta, enfim o ideal é comer algo que se assemelhe a um equivalente. Poder-se-á confirmar se será necessário mais glicose após 10-15 min, mas é inutil comer muito logo à partida, pois não fará a glicémia subir mais rápido e levará a uma hiperglicémia reactiva mais dificil de controlar.

Só em casos em que será muito difícil medir a glicémia posteriormente aconselho a ingestão de uma maior porção. Por exemplo quando a minha esposa vai para o bloco operatório (ver "o início"), e tem a glicémia boderline acaba por ingerir uma maior porção para ter a certeza que não necessitará de medir a glicémia a meio de uma intervenção, mas são situações muito pontuais.

No caso de situações em que a pessoa já se encontra mais prostrada e com algumas dificuldades, a administração de 1-2 pacotes de açucar sub-lingual e posteriormente uma porção de um alimento de absorção mais lenta será vantajoso.
Regra geral, mesmo os casos graves de hipoglicémia não deixam sequelas, mas decerto que ideal será evitá-los!!

Quando fazemos tudo bem...

O título deste post é exemplificativo não só para a diabetes mas para tudo na vida. Quantas e quantas vezes fazemos tudo da melhor maneira que sabemos e mesmo assim as coisas não nos correm bem?
Pois é! a diabetes não é diferente! Quem sofre de diabetes sabe que grande parte das vezes faz tudo direitinho, conta equivalentes, dá a insulina com a antecedência necessária, não come em excesso, até faz uma pequena caminhada após a refeição, e mesmo assim a glicémia acaba por fugir do intervalo ideal (para cima ou para baixo).
Pois bem, a solução para isto é complicado...poder-se-á dizer mesmo que não existe! Mas uma coisa é certa, quantas mais vezes fizermos tudo direitinho mais vezes ficaremos com as glicémias no ponto!
Por vezes parece que não encontramos explicação para estes desvios, e muitas vezes não há mesmo! eventualmente factores psicológicos como o stress ou a ansiedade, comportamentos que tenhamos tido no dia anterior (ex. físico por exemplo), no caso das mulheres factores hormonais, etc... Mas muitas vezes não são factores palpáveis que levam os valores para onde não queremos.

Outras vezes, acabamos por atribuir uma indisposição ou mal-estar à diabetes...
Bem, a diabetes é responsável por muita coisa, mas não por tudo!! Se comermos uma ameixa estragada vamos ter uma diarreia, quer tenhamos diabetes ou não! ou seja nem tudo é consequência da diabetes, e nessas alturas o importante é manter a motivação para continuar a fazer as coisas direitinho, a recompensa virá mais tarde...

Resumindo: percalços no controlo da doença todos temos , mas uma coisa é apercebermo-nos que temos a glicémia elevada após o jantar e corrigi-la, outra coisa é termos a glicémia elevada após o jantar e deixar andar até de manhã... Quantas mais vezes nos esforçarmos para ter a glicémia bem, mais facilidade vamos ter para aprender a lidar com a doença e a dominar os diferentes momentos!

Por isso o importante é manter a força e perceber que o que fazemos hoje vai melhorar (ou não) o nosso futuro!!

domingo, 13 de dezembro de 2015

A Família e a Diabetes

Como sempre na vida, é importante termos pessoas "nossas" nas melhores alturas para partilhar a felicidade e também para "distribuir" as dificuldades quando estamos mais em baixo.
Na diabetes há momentos em que, compreensivelmente (ver post sobre motivação) a última coisa que queremos saber é de glicémias, insulina, picadas... É nestas alturas, que termos connosco alguém que se preocupa com a doença e com o nosso bem estar tanto como nós vem ao de cima, quer sejam maridos, pais, amigos...
É impossível alguém estar 365 dias por ano alerta e desperto para qualquer assunto. A diabetes não é diferente...  Mas a vantagem de haverem pessoas próximas, que nos momentos certos ajudam e incentivam a fazer o correcto fará, no médio prazo, toda a diferença.
Ter suporte familiar, alguém que compreende o que é a diabetes e sabe lidar com as suas complicações agudas é sem dúvida uma vais valia. Saber que temos alguém próximo e de confiança com quem partilhar dúvidas e receios é decerto reconfortante.
Para ser mais concreto e objectivo, é necessário que quem está próximo incentive a medição da gicémia sempre que a doente esteja indisposta ou antes das refeições (por muito que não queira - e serão muitas vezes!), incentive a administração de insulina para corrigir glicémias entre as refeições, desincentive os hábitos alimentares errados (ver "quando fazemos tudo bem...", etc etc...
Não posso deixar de dedicar um curto parágrafo (mais conteúdo em breve num post à parte) à importância da família em crianças diabéticas. Se é importante em adultos, em crianças é sem dúvida um factor decisivo para as crianças crescerem e desenvolverem de uma forma natural e alegre. É necessária muita maturidade e conhecimento para se lidar a 100% com a diabetes, e nem assim as coisas correm sempre bem. Como explicar a uma criança de 5,6 anos, ou até de 12, 13 anos que tem de se picar diariamente, ou andar com bomba infusora quando os colegas não? É sem dúvida complicado, mas acreditem que se vê (e verá ainda mais com o passar dos anos) a diferença no controlo da doença quando os pais compreendem e se dedicam a esta condição dos filhos ou ao invés são mais "desleixados", até porque as complicações não se vêem a olho nú, muito menos no imediato.
Para concluir, a importância da família não deve por tudo isto ser menosprezada, embora o seja frequente e compreensivelmente pelo doente. Qual foi o familiar que não ouviu já frases do tipo: "Pois!não és tu que te picas!..." ou "Não és tu que te sentes mal no fim de comer!" ou ainda "Claro que é fácil, para ti que podes comer de tudo!".
Menos compreensível será os familiares abenegarem-se da doença refugiando-se no facto de não a compreenderem ou de não ser com eles... Por isso, e agora para os familiares, lembrem-se que a vossa felicidade também depende da da vossa esposa, marido, filho, etc, e que está nas vossas mãos fazerem com que ele(a) se sinta bem, acompanhado(a), seguro(a) e confiante na vida!

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Diabetes e Motivação...

Hoje decidi escrever sobre um tema da maior importância para se conseguir viver com a diabetes sem as complicações que todos conhecem e temem - A motivação para tratar a diabetes todos os dias.
No fundo, tudo gira à volta de ter um excelente controlo metabólico, glicémias bem, tensão arterial no ponto, estilos de vida saudáveis, etc. Pois bem...mais fácil dizer do que fazer!
Para quem está num consultório a aconselhar e a ver o doente de 3 em 3 meses é fácil (e sei do que falo por experiência própria), mas viver a doença 24h/dia, 7 dias por semana é por vezes bastante complicado.
Como em todas as doenças crónicas, há uma componente emocional muito forte O termo "doença crónica" acarreta  um peso grande não só pelas complicações que podem advir, mas também pelo significado de "crónico": permanente, para sempre,...
Todos nós temos coisas de que gostamos menos, ou que não são benéficas para nós, mas felizmente não temos de lidar sempre com elas e estas acabam por ocupar uma pequena parte da nossa vida. Precisamente o contrário do que se passa com as doenças crónicas, nomeadamente a diabetes.
Por isso a diabetes pode ser tão desgastante, porque a doença está presente todos os dias, tem que se administrar insulina diariamente, medir glicémias diariamente, e muitas vezes (infelizmente) sentir os efeitos de uma hiper ou hipoglicémia frequentemente. Não é facil todos os dias ao acordar medir a glicémia, ou saber que tem de ser das ultimas coisas a fazer antes de ir dormir, mas tem de ser feito...
Por tudo isto, estar motivado para aceitar a doença e tentar sempre controlá-la da melhor maneira possível é muito importante. O evitar das complicações da diabetes é uma batalha que se ganha no dia-a-dia, no longo prazo, fazendo sempre o que no fundo sabemos ser necessário (por mais difícil que isso por vezes seja).
Temos de encarar a diabetes como uma corrida de fundo, onde sabemos que o nosso comportamento ao longo de toda a prova irá influenciar o resultado final. Não interessa fazer uma grande sprint nos primeiros metros para depois nos "borrifarmos" para o resto.
A diabetes é um pouco assim. TODOS os momentos contam para o resultado final, sempre que os valores estão a 200mg/dl e não nos apetece picar só para dar 2 unidades de insulina, ou quando queremos comer alguma coisa mas não nos queremos picar (só para dar alguns exemplos), são momentos em que é preciso pensar que o que fazemos agora vai influenciar o futuro
É muito importante estarmos motivados para fazer hoje ou que sabemos que nos vai beneficiar daqui a uns anos.
E não é descabido às vezes chegar a um ponto de burnout onde pura e simplesmente não queremos mais saber "disto"... nada mais natural para quem lida com a doença todos os dias. Aí entra o essencial suporte familiar (posteriormente escreverei um post sobre esta faceta da doença), que muitas vezes nos puxa novamente para cima.
Para terminar quero deixar uma palavra de incentivo a todos os que convivem com a diabetes, dizer que apesar do quadro um pouco difícil que pintei, sei que também é possivel viver com saúde e alegria, e espero estar cá para ajudar com a minha experiência daqui para a frente.